quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Álbum


O amor se vê por cima dos ombros. Está nas suas costas, na torção do seu pescoço. Tantos planos, tantos sonhos e ambições e pôr o amor numa data certa, feito uma flor num vaso, e esperar que ele ali desabroche. Vê que ele pula, salta, numa espécie tosca de tentativa de vôo (pois ele também tem as asas tortas) e pousa atrás de você. Sempre. Tudo isso para sustentar o redundante: o amor é aquilo sobre o qual o pó repousa. E veste o manto do tempo. Reconhecido anos depois como evidências de um crime, batom no colarinho, pegadas no barro, farelos de biscoito, faca suja de manteiga. É o que querem dizer os rostos em sua imutabilidade – não eterna, que o tempo há de devora-los – em sua mudez de esfinge. Os almanaques listam, as enciclopédias detalham, os jornais anunciam, os dicionários enumeram e todo mundo consente que o amor é irradiar energia, é jorrar luz. Eu me pergunto o porquê, então, do desbotamento azul do vestido, o porquê dos riscos da velhice na pele, o porquê da devastação cancerígena nos cabelos. Suspeitei sempre que fosse algo que anda baixo, quase rastejando, pelos cantos, e que sai junto com o vento quando se abre a porta. Imperceptível e persistente. Aquilo é que era o amor – afirmo para me questionar. Mas foi ele quem fez os olhos enxergarem opacos, as mãos tencionarem seus músculos para se segurarem e enfrentar, sem perceber a correnteza multiforme do caos apelidado vida. E, ao mesmo tempo, criar coragem para, nesse meio, montar morada e combinar seu sangue na composição de uma coisa que em nenhuma cor lhes é similar. Ouve, e sempre ouviu, agitarem suas células, o som, e tem clara a consciência de que é senão o eco de um amor já coberto de pó. Que perdura.